Recentemente em materia publicada no site Giro do Boi, uma notícia trazia a tona um assunto com título bastante chamativo “A CADA ONZE MINUTOS, UM PECUARISTA DE LEITE BRASILEIRO ABANDONA A ATIVIDADE”, o alerta foi feito pelo economista, mestre e doutor em economia aplicada Paulo Martins, chefe-geral da Embrapa Gado de Leite.

O Balde Cheio em Luz convidou 2 profissionais da área para tecerem comentários acerca da materia, onde trazemos na íntegra as opiniões de: João Batista Tonaco Neto, Engenheiro Agrônomo, formado pela Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba/MG e sócio da Êxito Consultoria e César Augusto Alves, formado em Tecnologia em Produção de Leite Aglto New Zeland.

João Neto, atua como Engenheiro Agrônomo e ainda conduz juntamente com seu pai a atividade de produção de leite na Fazenda Nossa Senhora Aparecida onde são produzidos atualmente 600 litros de leite diariamente. 

Essa é uma notícia que espanta, mas é a pura realidade na qual passamos hoje. Como extensionista trabalhando na região do Centro Oeste mineiro, presenciei o abandono da atividade de 25% dos produtores que atendia monitorando a qualidade de leite, fora os demais que na minha opinião permanecem na atividade apenas para "passar o tempo". A atividade leiteira aceitou por muito tempo "aventureiros" que achavam que tirar leite era apenas soltar as vacas no pasto nas águas e na seca moer um capim napier passado que mais parece bambu para suprir os animais. 

Hoje somos cada vez mais afetados pelo mercado internacional, o leite é vendido em centavos, o que demonstra o quanto a atividade é difícil, para se alcançar o sucesso, são ajustes finos que fazem toda a diferença, uma semana na média de intervalo entre partos faz toda a diferença na produtividade, ou um mês a mais ou a menos na idade do primeiro parto de uma novilha.

Esses são números que muitos não sabem e nem se importam, mas que fazem a diferença. Outro fato que vem diminuindo o número de produtores é a falta ou a falha na sucessão familiar, a maioria dos pais não querem que seus filhos continuem no campo. O fato é que o campo precisa desses jovens, que dominam smartphones e computadores e eles que vão passar a mostrar para seus pais onde os pequenos detalhes fazem a diferença.

Encerro aqui, dando meu testemunho; “após me formar sofri grande preconceito por ter voltado para a fazenda, mas em conjunto com minha família conseguimos ajeitar as coisas e passamos a ser mais competitivos e eficientes no mercado”, finalizou João Neto

César Alves trabalha na Nova Zelândia, numa fazenda com 1.060 vacas em lactação e produção atual de 25.000 mil litros por dia.


Em relação a alta taxa de abandono de produtores que optaram pela não tecnificação de suas propriedades ou falta de sucessão familiar, esse definitivamente não é um fator novo e nem restrito ao Brasil, mas em todo o mundo. 

Mas como a Nova Zelândia tem enfrentado esses problemas? Na temporada 2016/2017 a Nova Zelândia tinha 4.8 milhões de vacas em lactação divididas em 11.748 propriedades e produzido 21 bilhões de litros de leite, nada mal para um pais com 4,7 milhões de habitantes.

Agora o que está por trás disso? Começando por tecnologia, hoje a região que eu moro em Canterbury é uma das mais tecnificadas, com 1.184 produtores e em qualquer propriedade que você visitar encontrará o mesmo perfil, uma padronização no sistema de coleta de leite, higienização, ordenhas ainda mais modernizadas, estruturas muito parecidas, também encontramos uma padronização em manejo o que é claramente identificada, há uma grande rede de comunicação e troca de informações que abrange produtores, gerentes, universidades, técnicos de campo, governo e mídia propagando informações importantes com dados relevantes, muito na contra mão do Brasil, onde raramente existem o compartilhamento de técnicas e o sucesso de cada um.


Já aqui na Nova Zelândia, você pode acompanhar o que os melhores produtores estão fazendo quase que diariamente, um exemplo é a Universidade Lincoln que tem uma propriedade de leite comercial e está sempre no top 10. Através do site ou facebook você pode acompanhar todos os resultados semanais da propriedade e as melhores dicas, desde métodos de medição de pastagem, informações sobre a média de crescimento da semana, clima e protocolos de estação de monta, além de dietas e muito mais.

A tecnologia e bem difundida e incentivada na Nova Zelândia, grupos de vários setores se reúnem em diversas propriedades para debater os mais diversos temas, resíduos, conforto, qualidade, tecnologias para uma ordenha mais eficiente e novas técnicas de plantio. Esse debate contínuo e intensivo envolvendo os vários setores da produção de leite em propriedades que estão se tecnificando e mostrando os resultados, tem incentivado os produtores a investir cada dia mais.


Ao longo de 10 anos que tenho acompanhado esse desenvolvimento aqui, tenho visto mudanças incríveis nas áreas de resíduos de efluentes, manejo e técnicas de pastagem com novas variedades e tipos de forragens, na tecnologia informatizada como laboratórios móveis e a presença cada dia maior de empresas que disponibilizam seus técnicos para treinar e acompanhar os resultados dos produtores assistidos.

A Nova Zelandia vem se esforçando para minimizar seus problemas na pecuária de leite e o Brasil? Bom, eu sou uma das soluções. As propriedades investem pesado na qualidade da mão de obra aqui, e foi através desse investimento que pude me qualificar, o proprietário geralmente trabalha ombro a ombro com os demais funcionários da propriedade e foi em uma conversa dessas que a gente tem dentro da sala de ordenha que expus minha vontade de aprender mais sobre a produção de leite na Nova Zelândia, pra minha surpresa uma semana depois recebi uma visita de uma instituição de ensino na própria fazenda para começar meus estudos, meu patrão tinha se informado e correu atrás de um curso equivalente a um técnico em agropecuária no Brasil onde eu teria aulas teóricas uma vez por semana e práticas com o acompanhamento dele e de professores durante meu trabalho. A diferença seria que ao invés de simplesmente fazer a função eu teria que saber por que estava fazendo aquilo e após 3 anos e meio estava formado em técnico em agropecuária com especialização em gestão e produção de leite.


Mas onde isso tudo entra na sucessão familiar? Bem, como eu disse antes, assim como eu centenas de gerentes de fazenda também estudam dessa maneira e o objetivo da grande maioria é um assumir o controle da fazenda. Mas como assim? Na Nova Zelândia a pratica de Contract Milker (gerente com maiores atribuições) ou Share Milker (tipo de sócio) é muito comum, é o simples fato de o proprietário decidir se aposentar e manter sua propriedade viva e produtiva, e ele só precisa de alguém de confiança para tocar o negócio. 

Voltando as estatísticas da Nova Zelândia das 11.748 propriedades 3.240 são tocadas por Share Milker e um número grande por Contract Milker. Mas isso seria possível em pequenas propriedades? Sim, mas com tecnificação; estudos mostram um crescimento de 200% viabilizando uma parceria e permitindo que o produtor se aposente e permaneça no campo.