Cenário Internacional Impulsiona Exportações e Mantém Bons Preços. Marcos Fava Neves é Professor Titular dos cursos de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAEASP/FGV em São Paulo. Especialista em planejamento estratégico do agronegócio.
Vamos às reflexões dos fatos e números do agro em abril e o que acompanhar em maio. Na economia mundial e brasileira a volta do lockdown na China começa a criar problemas ao fluxo de importações do país, que caiu 0,1% em março frente ao mesmo mês de 2021. A expectativa era de um aumento de 8,4%, mas a nova onda da covid-19 tem limitado as atividades industriais e comerciais e operações nos portos. A Ucrânia deve ter queda em seu PIB de 45,1% em 2022, de acordo com novo relatório do Banco Mundial. Com a invasão, empresas foram fechadas, a atividade agrícola foi reduzida, as exportações parcialmente interrompidas e a infraestrutura do país danificada. Por sua vez, a Rússia também deve colher resultados negativos de 11,2%, em consequência das diversas sanções impostas pelo Ocidente. Fica nossa torcida para que essa situação termine e que a Ucrânia possa unir forças para se reerguer.
E no cenário econômico nacional, seguimos com o problema da inflação. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,62% em março, maior alta para o mês dos últimos 28 anos, movido principalmente pelos aumentos nos preços dos combustíveis (+6,70%) e alimentos (+2,42%). No acumulado dos últimos doze meses o índice é de 11,30%, bem acima da previsão do mercado e do governo. O Boletim Focus (Bacen) do Banco Central de 25 de março, o mais recente disponível na data de finalização da nossa coluna mensal, aponta as seguintes previsões: a taxa Selic deve ficar em 13,00% ao final deste ano e em 9,00% no término de 2023; já o IPCA deve ser de 6,86% e 3,80%, respectivamente; o câmbio deve encerrar 2022 cotado em R$ 5,25 e 2023 em R$ 5,20; e por fim, o crescimento esperado para o PIB deve ficar em 0,5% e 1,3% para este ano e o próximo, respectivamente.
No agro mundial e brasileiro, o índice de preços de alimentos da FAO (Agencia das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) alcançou 159,29 pontos em março, nova alta expressiva, agora de 12,6% em comparação com fevereiro e de 33,6% em relação a março de 2021. O valor é o maior desde o início do acompanhamento, em 1990, e foi puxado especialmente pela alta nos preços de óleos vegetais e de cereais.
Atualizações nos números da safra brasileira de grãos 2021/22, divulgadas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em abril, mostram que o volume total de grãos produzidos deve ficar em 269,3 milhões de t, crescimento de 5,4% em relação à produção da safra passada; e pouco superior à previsão de março, que era de 265,7 milhões de t. A soja foi uma das culturas mais prejudicadas pelo clima, com oferta estimada agora em 122,4 milhões de t; em 2020/21, produzimos 138,2 milhões de t, ou seja, queda de 11,4% nesse ciclo. No milho, a oferta total deve ficar em 115,6 milhões de t, alta de 32,7% em relação à safra passada, sendo que a produção da 2ª safra (em andamento) deve crescer 45,8%, com volume estimado em 88,5 milhões de t, a depender das condições de clima; vamos ficar na torcida! Por fim, no algodão, a produção deve ser de 2,8 milhões de t da pluma, 19,9% a mais do que as 2,4 milhões de t do ciclo anterior. Na torcida agora para que as culturas de inverno também tenham bom desempenho!
Em relação ao progresso das operações no campo, até o último dia 16 de abril de 2022, a colheita da soja alcançou 87,1% da área total do Brasil (contra 89,9% há um ano); a colheita do milho 1ª safra chegou à 60,0% (era de 63,5% na mesma data de 2021); e o plantio do milho safrinha está praticamente concluído, com 99,8% de avanço (mesmo valor no ano passado).
Com fortes estímulos da lacuna de oferta e preços internacionais, agricultores brasileiros devem intensificar as áreas de trigo no país. A StoneX estima que a área possa atingir 3,4 milhões de ha em 2022/23, o que levaria a um crescimento de 20,6% em comparação ao último ciclo; por sua vez a produção poderia superar as 10 milhões de t, volume nunca antes visto para o cereal.
As exportações do agro atingiram novo recorde para o mês de março, US$ 14,53 bilhões, quase 30% superior à cifra do mesmo período de 2021, de acordo com estatísticas do Mapa. Tal resultado segue sendo motivado pelos elevados preços internacionais das commodities (+27,6%), mas o volume comercializado também se intensificou (+1,4%). Líder na pauta de exportação, o complexo soja foi responsável por mais da metade das vendas do setor, totalizando US$ 7,56 bilhões (+33,0%), com o preço médio do grão chegando a US$ 530/t. Já as carnes consolidaram novo recorde de embarques para o mês com US$ 2,10 bilhões (+31,1%), sendo US$ 1,11 bilhão de carne bovina (+55,3%) com maior valor histórico para o mês; US$ 747,90 milhões para a carne de frango (+27,2%) também conquistando recorde; e US$ 259,77 milhões para a suína (-27,8%), com queda explicada pela recuperação da produção chinesa. Na terceira colocação aparecem os produtos florestais, somando US$ 1,36 bilhão (+29,2%), com destaque para celulose que participou com 48,05%. Na sequência, o setor cafeeiro vendeu US$ 879,25 milhões (+51,7%) ao mercado externo, com recorde nos embarques de café verde, responsável por 93,7% de todo o montante. Por fim, o setor sucroenergético comercializou US$ 684,97 milhões (-6,0%), reflexo da menor disponibilidade de matéria-prima durante o ciclo 2021/22. Já as importações do agronegócio totalizaram US$ 1,42 bilhão, refletindo alta de 5,9%. Assim, o saldo da balança comercial do setor alcançou US$ 13,12 bilhões em março, valor 32,5% maior que o de 2021.
O relatório de abril do USDA, referente à safra global 2021/22, reajustou a produção global de milho para 1.210,45 milhões de t, crescimento de 0,4% frente à previsão anterior. As produções dos EUA e da Argentina foram mantidas em 383,94 e 53 milhões de t, respectivamente; já o volume brasileiro teve um ligeiro acréscimo de 1,8%, devendo atingir 116 milhões de t. As exportações do Brasil também foram calibradas para cima, de 43 para 44,5 milhões de t, enquanto os embarques ucranianos foram reduzidos em 16,4% para 23 milhões de t. Já os estoques globais do cereal devem ser ampliados para 305,46 milhões de t contra 300,97 milhões do relatório anterior.
Na soja, o USDA manteve intactas a produção norte-americana e argentina, em 120,7 e 43,5 milhões de t, mas reduziu a estimativa dos volumes brasileiros, de 127 para 125 milhões de t (-1,6%). Com isso, a produção global foi reajusta para 350,72 milhões de t (-0,9%) e os estoques mundiais para 89,58 milhões de t (0,4%). Houve reajuste nas exportações brasileiras também, passando de 85,5 para 82,75 milhões de t (-3,2%). Por fim, para o trigo o órgão americano prevê ligeiro aumento na produção de 0,04% para 778,83 milhões de t, com a Ucrânia diminuindo sua exportação em 1 milhão de t, de 20 para 19 milhões de t. Por sua vez, os estoques globais devem se reduzir de 281,52 para 278,42 milhões de t (-1,1%).
O cultivo de soja nos EUA para a safra 2022/23 deve ser recorde, segundo apurado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), totalizando 36,83 milhões de ha, 4,3% superior ao da temporada passada. Já para o milho, o órgão americano estima uma área de 36,22 milhões de ha (-2,7%), abaixo da expectativa do mercado. Vamos monitorar agora a evolução da semeadura e questões climáticas envolvidas.
Desde 2014, os EUA reduziram a área de plantio de grãos em 5,6 milhões de ha, parte destes devem voltar agora com os elevados preços das commodities. Em 2014 eram quase 132 milhões de ha. Estimativas da Universidade de Illinois apontam para uma volta de quase 3 milhões de ha nesta safra que será plantada agora em abril e maio.
Já na Argentina, a greve dos caminhoneiros tem afetado os embarques de grãos. A classe interrompeu o fluxo de commodities até os principais portos com alegações de que com o atual preço dos combustíveis, a operação é inviável. Enquanto não há acordo, mais de 450 mil t de grãos estão paralisadas e 50 navios esperam pela matéria-prima nos portos, de acordo com a Câmara de Processadores e Exportadores de Grãos (CIARA).
A nova onda de pandemia enfrentada pela China vem afetando sua produção de cereais. A entrega de fertilizantes para as principais províncias produtoras de soja e milho estão limitadas em decorrência da interrupção da produção, bem como pelas rígidas restrições de movimentação de mercadorias. Com os preços elevados, revendedores optaram por não acumular estoques de insumos, acarretando em baixa disponibilidade para a o plantio de primavera. O risco de desabastecimento na China pode intensificar exportações brasileiras. A situação geopolítica do momento com o conflito Rússia e Ucrânia abre chances para o Brasil colocar mais milho no mercado chinês além de outras trazidas pelos movimentos de embargos. De outro lado a entrada de capitais tem valorizado o Real.
Na atualização de abril, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estimou o Valor Bruto da Produção (VBP) Agropecuária de 2022 em R$ 1,228 trilhão, um avanço de 2,4% em comparação ao registrado em 2021. Desse total, R$ 878,84 bilhões serão entregues pelas lavouras (71,6%) e outros R$ 349,08 bilhões pelas cadeias da pecuária (28,4%). Para os dois segmentos, a variação anual será de 7,5% e -8,5%, respectivamente.
A safra 2021/22 de laranja no cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro foi encerrada com um volume colhido de 262,97 milhões de caixas, um rombo de 10,61% (31,20 milhões de caixas) frente à expectativa inicial de maio de 2021. A combinação de chuvas 27% abaixo da média e de geadas acarretou em tamanho reduzido e queda precoce dos frutos. Segundo ano consecutivo ruim para a laranja.
Um fato que marcou o mês foi a medida do governo que zerou alíquotas de importação para etanol anidro, café moído (era 9%), margarina (era 10,8%), queijo (era 28%), macarrão (era 14,4%), açúcar (era 16%) e óleo de soja (era 9%), visando impulsionar importações e conter os preços. Outra mudança foi o imposto sobre combustíveis passando a ser um valor fixo por litro, e não mais variável com o preço. Sobre o diesel, agora a alíquota é uniforme, ao redor de R$ 1/litro.
No ramo de insumos, as exportações de fertilizantes russos ainda terão cotas até 2023, visando controlar os preços internos. Ainda sobre fertilizantes, o Brasil consome praticamente 8% do produto em nível mundial, mas é o maior importador, com 85% do que necessita. Pesa favoravelmente ao Brasil sua demanda ser no segundo semestre. EUA tem situação mais confortável que o Brasil em nitrogenados e fosfatados, mas não no potássio. No caso do nitrogênio, os EUA importam cerca de 12% do seu consumo, principalmente do Canadá e Trinidad e Tobago (Brasil importa 95%, sendo 20% da Rússia, 20% da China e Irã, Algéria entre outros), e nos fosfatados, cerca de 9%, vindos de Marrocos e Peru (Brasil com 75%, sendo quase 40% do Marrocos e 15% da Rússia, além de China, EUA e Arábia). No potássio ambos importam entre 90 a 95% do consumo. A diferença é que os EUA o trazem do Canadá (mais de 80%) e no caso do Brasil, cerca de 30% vem do Canadá e 45% de Rússia (26%) e Belarus (19%).
Biodiesel: uma ameaça é o movimento do Governo em tentar facilitar a importação de biodiesel em modificar a classificação dos produtos que podem compor o blend no diesel. Quem decide é o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), do Ministério de Minas e Energia (MME). O Governo reduziu de 13% para 10% – neste março já deveria estar em 14% – e esta redução prejudica a produção de farelos, afetando as cadeias de proteína animal. A importação requer a flexibilização da exigência do selo combustível social (visando apoiar a agricultura de pequenos produtores). Existe também a preocupação do uso do DieselRX preparado com óleo vegetal pela Petrobrás.
Estudo realizado pelo CEPEA e ABIOVE mostra que a cadeia do biodiesel emprega diretamente 19 mil pessoas e gerou R$ 10,5 bilhões para a economia brasileira em 2021, representando 2% do setor agroindustrial. Contribuiu com R$ 20,3 bilhões para o PIB do setor de serviços (principalmente fretes), totalizando R$ 30,8 bilhões. A cada R$ 1 adicional realizado na produção de biodiesel, R$ 4,4 são produzidos na economia. Indonésia e Malásia aprofundam o uso de biodiesel na matriz energética. Na Indonésia a mistura já está em 30% usando principalmente a palma. O próximo passo é o uso para querosene, que já vem sendo testado. Na Malásia a mistura B30 também deve ser implementada, mas a meta para 2022 é chegar ao final do ano com B20.
Plano do Governo prevê a substituição de quase 1 bilhão de litros de diesel até 2027 com o incentivo ao biometano. Este foi incluído no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), que agrega benefícios ao suspender a cobrança de PIS/Cofins para aquisição de máquinas, equipamentos e outros materiais para construção, entre outros. Pelas estimativas da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), 7 bilhões de reais investidos nos próximos cinco anos, levando a produção de 400 mil metros cúbicos/dia nas atuais dez unidades produtivas para 2,3 milhões em 2027, gerados em 25 unidades produtivas. O Brasil poderia hoje com a matéria prima que tem, gerar 120 milhões de metros cúbicos por dia, que equivale a 70% da demanda nacional de diesel.
A comercialização de produtos orgânicos está em alta no Brasil. Em 2021, esse segmento movimentou R$ 6,5 bilhões, o que representa um avanço de 12% frente ao ano anterior, de acordo com dados da Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis). Já o número de empreendimentos cresceu 11%, chegando a 25 mil unidades. São dois os fatores que explicam esse movimento: intensificação da busca por alimentos mais saudáveis e demanda da indústria por proteínas animais orgânicas.
E concluindo a nossa análise do agro, segue os preços dos principais produtos na data de fechamento da nossa coluna: a soja para entrega em cooperativa de São Paulo estava em R$ 179,50/sc na cotação atual, R$ 185,00/sc para junho de 2022 e R$ 164,10 em março de 2023; o milho estava em R$ 82,00/sc para entrega em julho e R$ 82,60/sc em setembro de 22; O algodão ficou em R$ 237,93/arroba e o boi gordo em R$ 340/arroba.
Os cinco fatos do agro para acompanhar em maio são:
1. Avanço dos casos de covid-19 na China e as medidas de restrições nas regiões mais afetadas (lockdown), afetando especialmente a logística de distribuição (fechamento de portos e outros), o que pode elevar os custos com o transporte.
2. Os desdobramentos da persistente guerra entre Rússia e Ucrânia. Apesar das tentativas de conversas para acordos de paz, o conflito parece estar longe do fim. Vamos torcer para que termine logo, normalizando a questão dos fertilizantes, dos altos preços e outros.
3. Acompanhar a evolução do plantio da mega safra nos EUA. Já há algumas notícias que indicam possibilidades de atrasos em função do clima, e ainda a piora nas condições de lavouras de inverno já estabelecidas, como é o caso do trigo.
4. Desenvolvimento da 2ª safra de milho no Brasil. Ao que parece, estamos indo bem e acertamos em antecipar o plantio este ano, aproveitando as janelas pluviométricas, mas o clima segue sendo nossa grande preocupação; na torcida para que jogue ao lado dos nossos produtores.
5. Por fim, as movimentações políticas e econômicas no Brasil, com a proximidade das eleições e as medidas sendo tomadas pelo congresso nacional.
Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Acompanhe outros materiais na página DoutorAgro.com, no canal do Youtube e no MarketClub Sicoob Credicitrus, a quem agradecemos ao apoio para elaborar este texto, que tem como a co-autoria do Vitor Nardini Marques e Vinicius Cambaúva.