Por Pesquisadores CiCarne, Guilherme C. Malafaia, Sergio R. de Medeiros, Urbano G.P. Abreu e Vinicius do N. Lampert. Embrapa Empresa pública brasileira que busca viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira. Boletim nº 56 - Análise da equipe de especialistas.
A visão sistêmica pode ser definida como o conhecimento do conjunto de fatores interligados, inter-relacionados ou interdependentes, que formam um todo complexo e unificado que o constitui. A característica mais importante de determinado sistema é o fato deste reagir, ao receber um estímulo dirigido, a qualquer uma de suas partes. Portanto, para que um conjunto de variáveis possa atuar no sistema, são necessárias conexões que permitam a reação, negativa ou positiva, entre as partes individuais que constituem o todo.
O sistema de produção de gado de corte consiste num conjunto de tecnologias e práticas de manejo, tipo de animal, propósito da criação, raça ou grupamento racial e ecorregião em que a atividade é desenvolvida. Na definição de um sistema de produção devem-se levar em consideração aspectos sociais, econômicos e culturais, pois possuem influência decisiva nas modificações que poderão ser impostas por forças externas e na forma como as mudanças ocorrerão, para que o processo seja eficiente e as transformações alcancem os benefícios esperados. Em paralelo, deve-se definir o mercado e a demanda a ser atendida (quais são e como devem ser atendidos os consumidores).
A produção pecuária tem seu desempenho relacionado diretamente ao conhecimento das técnicas que o produtor rural domina. Entretanto, o gerenciamento da empresa pecuária necessita ser sistêmico, ou seja, precisa envolver todas as áreas que compõem o negócio pecuário. É muito mais do que saber manejar os animais e oferecer comida a eles.
O desempenho da atividade pecuária é determinado por um grande conjunto de variáveis, incluindo as decorrentes das políticas públicas, da conjuntura macroeconômica e de especificidades geográficas. A tomada de decisão sobre o que produzir, a elaboração de projetos técnicos para a solicitação de crédito, a escolha da tecnologia a ser adquirida, o processo de compra de insumos e venda de produtos, o acesso aos mercados, entre outros, formam um conjunto de fatores que afetam significativamente o desempenho das empresas pecuárias.
A questão gerencial está fortemente ligada à rentabilidade e eficiência dos sistemas de produção, sendo, portanto, altamente estratégica. A gestão de uma propriedade rural engloba as funções de planejamento, implementação e controle aplicadas às áreas da produção, comercialização, recursos humanos, fluxos internos e externos e finanças.
Na fase de planejamento, especialmente de nível estratégico, são definidos o mercado prioritário de atuação, os recursos a serem empregados, a infraestrutura necessária entre outros fatores que darão o direcionamento estratégico do negócio pecuário. Em outras instâncias de planejamento são determinados o cronograma físicoeconômico das atividades, as previsões de investimento anual, identificadas as demandas por mão de obra e nível de qualificação exigido, observadas as necessidades de empréstimo, ou ainda, no campo operacional, definida a divisão de tarefas semanais.
A implementação do plano, em seus vários níveis, requer a organização de recursos físicos e financeiros, além da gestão de recursos humanos para a obtenção das metas. Por fim, o controle permite a verificação do alcance de metas, a identificação de falhas e, consequentemente, a correção de rumos. Permite, ainda, a melhoria contínua do processo de planejamento, à medida que possibilita ao produtor rural conhecer melhor a dinâmica de produção e de mercados e, assim, criar expectativas de resultados e preços cada vez mais condizentes com a realidade.
Espera-se que o gerenciamento da propriedade rural aumente sua eficiência técnico-econômica, via utilização racional de recursos naturais, físicos, humanos e financeiros, e contribua para a redução de custos e a melhoria da rentabilidade do sistema de produção. Entretanto, o nível gerencial das fazendas de pecuária de corte no Brasil é, em geral, ainda muito baixo, principalmente se comparado às propriedades que exploram a agricultura, cujo ciclo de produção, normalmente é mais curto, e os empréstimos para financiamento das lavouras impõem maior controle de custos aos produtores. O reflexo disso é a baixa produtividade média da pecuária de corte – 4 a 5 @/hectare/ano.
Diversos estudos apontam para o baixo nível de adoção de ferramentas e práticas gerenciais nas fazendas pecuárias. Assim, registros zootécnicos e financeiros, uso de software gerencial, planejamento formal (incluindo análise de investimento), cálculos de margens econômicas e de indicadores de desempenho financeiro, entre outros, não são a regra em proriedades pecuárias. É frequente encontrar propriedades nas quais os gastos pessoais e da família do produtor se misturam aos da produção, impossibilitando a análise exclusivamente econômica da atividade.
Apesar do panorama de baixa adoção de ferramentas gerenciais, é fato que estas têm sido crescentemente implementadas nas fazendas de pecuária de corte, particularmente em grupos de produtores com perfil mais empreendedor. O fator que define produtores como mais bem-sucedidos é justamente a capacidade de administrar a propriedade pecuária como uma empresa.
Lidar com a complexidade de funções administrativas, concomitantemente, exige capacitações gerenciais para as quais a maioria dos pecuaristas não recebeu treinamento. A falta de uma visão sistêmica da empresa pecuária, seria uma das principais causas desse cenário. Ou seja, o pecuarista deve tomar decisões, não somente sob o aspecto econômico, mas também com base numa visão estratégica, tecnológica e gerencial. Nesse contexto, compreender o funcionamento do negócio rural como um todo, muito além das porteiras, se torna condição básica para que o pecuarista possa desempenhar bem sua função de tomador de decisão.
Esse problema poderia ser minimizado com a atuação de técnicos junto ao setor produtivo. Entretanto, a formação desses profissionais se concentra, prioritariamente, nos aspectos produtivos, em detrimento dos econômicos e gerenciais. Logo, muitos agentes de extensão rural e de consultoria privada não dominam o conhecimento de forma suficiente para prestar adequado aconselhamento gerencial aos pecuaristas.
Uma grave consequência do problema gerencial é o uso equivocado, ou a não adoção, de tecnologias adequadas ao processo produtivo adotado pelos pecuaristas. A falta de controle de indicadores de desempenho técnico e econômico inviabiliza as análises que permitiriam ao pecuarista tomar decisões mais assertivas e de melhor retorno econômico.
Havendo controle, é possível identificar problemas, fazer análise de alternativas tecnológicas e escolher as opções técnicas mais adequadas às suas necessidades, o que pode gerar forte impacto na redução de custos, e consequentemente, na rentabilidade dos sistemas de produção.
É imperativa a profissionalização cada vez maior do pecuarista para as tomadas de decisão assertivas num ambiente de negócio cada vez mais complexo, em que os altos custos e as crescentes restrições socioambientais irão ser cada vez mais constantes. A gestão de precisão na fazenda será fundamental para racionalizar os processos envolvidos, reduzir as ineficiências, minimizar os custos e permitir a sustentabilidade da empresa pecuária ao longo do tempo.
É preciso focar em melhorias contínuas nas práticas de gestão e buscar o associativismo a fim de reivindicar soluções para os problemas que estão fora das porteiras da fazenda (por exemplo, eletrificação, estradas, escolas, saúde, comunicação, etc.). Inclusive, com a valorização das características ambientais da região, com o objetivo de ganho de receita para a atividade. Pois a produção pecuária é um negócio que deve trazer satisfação e progresso, mas se mal gerido poderá ser causa de desgastantes crises e perdas patrimoniais, com real direcionamento para o empobrecimento da atividade.
Por fim, ressaltamos que a importância da gestão das informações é fundamental para analisar custos, diminuir perdas e aumentar os lucros. Para fazer o controle de tantas informações, muitos aplicativos de gestão rural estão disponíveis no mercado. A Embrapa disponibiliza uma série de ferramentas de gestão que dão suporte à tomada de decisão do pecuarista, como, por exemplo, Custobov, Gerenpec, Controlpec, Pasto Certo, Suplementa Certo, entre outros. Cabe ao pecuarista buscar aquelas que mais se ajustam às suas necessidades.
FONTES CONSULTADAS:
Euclides Filho, K. 2000. Produção de bovinos de corte e o trinômio genótipo ambiente mercado. Campo Grande: Embrapa Gado de Corte, 2000. 61 p.il. (Embrapa Gado de Corte, Documentos, 85).
Lourenzani, W. L., Souza, F. H. M., & Bànkuti, F. I. (2003). Gestão da empresa rural - uma abordagem sistêmica. Proceedings of International Conference on Agri-Food Chain / Networks Economics and Management, Ribeirão Preto, SP, Brazil, 4.