Por Urbano Gomes Pinto de Abreu - Embrapa Pantanal, Sergio Raposo de Medeiros - Embrapa Pecuária Sudeste Silvio Balduíno - Associação Brasileira de Produtores Orgânicos – ABPO Giovanna Nogueira - Associação Brasileira de Produtores Orgânicos – ABPO Guilherme Malafaia - Embrapa Gado de Corte. Embrapa Empresa pública brasileira que busca viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira. Boletim nº 58 - Análise da equipe de especialistas
Estima-se que haja na Planície Pantaneira 3.856.632 reses, sendo todos criados a pasto, com percentuais de 84,64% em pastagens nativas, e 12,04% em pastagens cultivadas. A produção de gado no Pantanal é conhecida pela sua peculiaridade, devido principalmente às dificuldades estruturais e de logísticas do bioma, como falta de estradas, energia elétrica, comunicação, distância dos grandes centros, ausência ou ineficiência dos serviços públicos, mas, principalmente, pela complexidade imposta pelo ambiente.
Durante alguns meses do ano, propriedades podem ficar alagadas e o manejo do animal se torna mais complexo e difícil. Também as poucas estradas e bitolas existentes ficam muitas vezes intransitáveis, o que dificulta o abastecimento das propriedades e o escoamento da produção. Podem, também, passar por secas extremas com impactos fortes no desempenho zootécnico e reprodutivo dos rebanhos.
Por outro lado, a oferta do ambiente é base do sistema de produção pantaneiro, sendo as forrageiras nativas o suporte principal para atividade pecuária. A grande variedade de ambientes ocupados por diferentes espécies vegetais (gramíneas, leguminosas e ciperáceas), favorece a pecuária, permitindo maior seletividade de pastejo aos bovinos, embora dificulte o controle sobre o manejo da pastagem. A utilização estratégica de pastagem cultivada para determinadas categorias mais sensíveis, como fêmeas de recria e de primeira cria, além de tourinhos, utilizados em monta, e touros em repouso sexual, é importante para minimizar o efeito da sazonalidade das pastagens nativas sobre o desempenho dos animais. A usual mais baixa rentabilidade da fase de cria explica, em parte, o fato de a produção em escala de bezerros ocorrer em áreas mais afastadas dos centros consumidores. Apesar da relativa marginalidade, a fase de cria é base de todo sistema de produção animal. Hoje, com o avanço dos estudos sobre programação fetal, é reconhecida a importância da fase intra-uterina na determinação do desempenho durante toda vida do animal e na qualidade de sua carcaça.
O bioma apresenta a singularidade de dois períodos críticos de restrição alimentar: o primeiro, do auge ao final da cheia (fevereiro a maio), e o segundo, do meio ao fim da seca (agosto a setembro), que devem ser levados em consideração na gestão dos sistemas de produção de gado de corte. Conforme a dinâmica das enchentes intra e plurianuais, pode haver marcante deficiência nutricional nos rebanhos, que deve ser minimizada com tecnologias de manejo de gado de cria. A introdução de tecnologias, par em passo, vem modificando positivamente os índices produtivos dos sistemas de produção do Pantanal. O produtor pantaneiro que se mantém na atividade vem adotando tecnologias mais produtivas e procura minimizar custos. Neste contexto é essencial ser eficiente, com melhorias contínuas nas práticas de gestão, e buscar o associativismo a fim de reivindicar soluções para os problemas que estão fora das porteiras da fazenda.
A Associação Brasileira de Produtores Orgânicos (ABPO) foi criada em 2000 por pecuaristas da região do Pantanal, com o objetivo de sistematizar sua produção para atender aos requisitos da Pecuária Orgânica Certificada, agregando à sua atividade os modernos conceitos de qualidade, responsabilidade social, ecológica e desenvolvimento sustentável. Para tal, constituíram protocolo cujo gestor é a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, que deve ser adotado e aplicado pelos produtores nos seus sistemas de produção pecuária. O protocolo foi desenvolvido principalmente para animais criados no Pantanal, e como limites para o abate o intervalo de idade de 2,8 a 3 anos, sendo a última a idade máxima permitida. Em 2004, teve início o projeto Pecuária Sustentável no Pantanal, desenvolvido pela WWF – Brasil e a Associação Brasileira de Produtores Orgânicos (ABPO) com objetivo de se estabelecer uma pecuária orgânica certificada na região, como alternativa de ganho econômico para o produtor, de conservação do meio ambiente, do bem-estar animal e de melhores condições de trabalho. A competitividade da cadeia de produção de produtos orgânicos é atualmente desenvolvida por meio de estratégias de diferenciação de produtos. Na Tabela 1, observamos o desenvolvimento da cadeia de carne orgânica no período de 2013 a 2016.
Tabela 1. Estimativas das taxas compostas de crescimento (CAGR), no período de 2013 a 2016, do número de animais abatidos, da quantidade total de carne produzida (kg), do peso médio da carcaça produzida, do número de produtores e do número de abates.
Em função do objetivo de aumentar a escala de produção de um produto diferenciado e com maior número e participação de produtores, houve a necessidade de estabelecer relações de parceria entre os agentes da cadeia. Este fato se deu no processo ainda em andamento no Mato Grosso do Sul, onde ABPO, diferentes empresas privadas e governo do estado estabeleceram parcerias estratégicas para desenvolvimento da cadeia produtiva. O fruto de todo esforço foi que, em 2018, o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul - MS aprovou legislação, que oficializou o incentivo fiscal para produção de carne orgânica e de carne sustentável, criando o Subprograma de Apoio à Produção de Carne Sustentável do Pantanal, no âmbito do Programa de Avanços na Pecuária de Mato Grosso do Sul - PROAPE-, por meio da Resolução conjunta SEFAZ/SEMAGRO nº 074, de 22 de novembro de 2018 (Mato Grosso do Sul, 2018).
Na Figura 1, observamos, no período de janeiro de 2019 a março de 2022, um crescimento significativo no número de animais abatidos mensais com certificação de sustentável (Sust). Por outro lado uma relativa estabilidade Os abates mensais de animais com certificação orgânica (Org) mantiveram-se relativamente estáveis no período avaliado. Apesar da isenção do ICMS ser percentualmente mais atrativa, ou seja, o valor que retorna para o produtor ser maior. Por outro lado, o Protocolo de Carne Orgânica determinado pelo Ministério da Agricultura.
Figura 1. Número mensal de animais abatidos no período de janeiro de 2019 a maio de 2021, no protocolo de orgânicos (Org) e sustentável do Pantanal (Sust).
O retorno financeiro da isenção fiscal mensal, no período de janeiro de 2019 a março de 2022, dos protocolos orgânico (Org) e sustentável (Sust) pode ser observado na Figura 2. Como era de se esperar, segue a mesma tendência do número de abates mensais. Claramente após a legislação estadual aprovada no final do ano de 2018, os elos da cadeia de produção tiveram de se organizar durante o ano de 2019, até meados do ano de 2020, quando houve crescimento significativo do número de animais abatidos, especialmente para o protocolo sustentável e consequentemente da premiação para os animais abatidos.
Figura 2. Valor financeiro (reais) mensal pago aos animais abatidos no período de janeiro de 2019 a maio de 2021, no protocolo de orgânicos (Org) e sustentável do Pantanal (Sust).
Desafios futuros
A política pública estabelecida pelo PROAPE é um processo que sempre deverá ser melhorado, absorvendo novas tendências determinadas pelo consumidor. A denominação de origem pode ser considerada uma das tendências para o sistema de produção de carne para os próximos anos e, neste sentido, pecuaristas, associações de produtores e frigoríficos trabalham em termos de diferenciação de cortes e processos produtivos em busca de geração de valor a seus produtos. A carne terá dezenas ou até centenas de denominações de origem, de sistemas e de cortes, para satisfazer consumidores exigentes e em busca de novas experiências gastronômicas.
Outro ponto importante, a ser desenvolvido para a sedimentação do sistema de produção sustentável, é a rastreabilidade dos bezerros produzidos no Pantanal. Produtores que só fazem a cria poderão ser também beneficiados com a produção de bezerros sustentáveis conforme determinado protocolo produtivo. E desta maneira a política pública possuirá o potencial de ser adotada por grande parte dos criadores de gado de corte do Pantanal de MS.
FONTES CONSULTADAS