Um Setembro de Muitas Emoções na Agricultura. Marcos Fava Neves é Professor Titular dos cursos de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAEASP/FGV em São Paulo. Especialista em planejamento estratégico do agronegócio.

Segue nossa reflexões dos fatos e números do agro em julho/agosto e o que acompanhar em setembro. Na economia mundial e brasileira, o mês de julho foi marcado por movimento de “deflação” na economia brasileira, dando alguns indicativos de melhoria da performance. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em -0,68%, frente aos 0,67% de junho, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Das 9 categorias distintas que compõe o indicador, duas delas tiveram variações negativas: transportes (-4,51%) graças à redução nos preços dos combustíveis (-14,15%); e habitação (-1,05%) em virtude da queda no preço da energia elétrica residencial (-5,78%). Nos alimentos e bebidas ainda houve incremento de 1,30%, motivado pelo preço do leite longa vida (+25,46%) e consequente aumento em seus derivados (queijo, manteiga, entre outros). Vamos acompanhar a performance dos próximos meses na expectativa que a curva mantenha tendência de baixa.

No cenário econômico nacional, de acordo com o boletim Focus do Banco Central divulgado em 22 de agosto, o mercado projeta uma melhoria na inflação do país, com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechando 2022 em 6,82% e 2023 em 5,33%, e taxa Selic estável em 13,75% e 11%, respectivamente.

Também há uma expectativa mais favorável para o crescimento econômico, sendo que o PIB deve crescer 2,02 % este ano e 0,39% no seguinte; enquanto que o câmbio deve se sustentar nos R$ 5,20 ao final de cada período. Bons indicativos de recuperação econômica!

No agro mundial e brasileiro, o índice de preços dos alimentos calculado pela Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) voltou a cair do mês de julho, pelo quarto mês consecutivo, aliviando o estresse acumulado no último semestre. O indicador atingiu 140,9 pontos no mês, o que representa uma queda de 8,6% frente a junho (ou 13,3 pontos), mas em comparação ao mesmo mês de 2021 seu valor ainda é 13,1% maior (ou 16,4 pontos). Os maiores impactos vieram dos cereais, com queda de 11,5% no indicador, motivada pela redução nos preços do trigo graças ao acordo para desbloqueio dos portos no Mar Negro; e dos óleos vegetais que cairam de 19,2% em seu índice devido às reduções nos preços com maior expectativa de oferta de matéria-prima.

Nas estimativas de agosto da Companha Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira de grãos no ciclo 2021/22 foi revista para 271,5 milhões de t, pouco inferior a estimativa de julho/22, mas ainda 6,2% maior do que no ciclo passado. Na soja, conforme já era esperado graças ao período de entressafra, os números foram mantidos no mesmo patamar no mês passado: 124,0 milhões de t, 10,2% menor do que 2020/21. O milho, por sua vez, teve a oferta total revista para 114,7 milhões de t, 1 milhão de t a menos em 1 mês, mas ainda 31,7% maior do que 2020/21.

A 2ª safra, ainda em andamento, deve produzir 87,4 milhões de t (+43,9%). No algodão, serão 2,74 milhões de t da pluma, um pouco abaixo do estimado em julho, mas ainda 16,0% superior ao do ciclo passado.

Um último destaque para as culturas de inverno, que deverão ofertar 11,0 milhões de t (+ 18,0%); destaque para o trigo com 9,1 milhões de t (~83% de toda a produção da categoria).

Em relação ao progresso das operações no campo, a Conab indica que até o último dia 15 de agosto, 86,4% das áreas de milho safrinha (2ª safra) já haviam sido colhidas no país, contra 68,5% no mesmo período do ano passado; Mato Grosso, Maranhão e Tocantins já encerraram as atividades, enquanto que o estado de Goiás caminha para a conclusão, com 92% de progresso. No algodão, as operações ganharam tração neste último mês e a colheita saltou para 80,3%, contra 66,7% na mesma data de 2020/21; um grande avanço! Demais culturas (como as de inverno e trigo) aguardam para início da colheita.

Em âmbito global, o relatório mensal da produção de grãos em 2022/23, divulgado pelo USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) reviu a produção de milho este mês para 1.179 milhões de t, 6,3 milhões de t a menos do que a projeção anterior; e 3,2% menor do que 2020/21. Nos últimos meses temos observado uma queda nos números do milho, especialmente por conta da piora nas condições das lavouras nos EUA e a continuidade da guerra entre Rússia e Ucrânia. Entre os principais players, a grande alteração foi feita nos Estados Unidos, que agora devem produzir 364,7 milhões de t, 5% a menos do que na safra 2021/22. Os números para o Brasil foram mantidos em 126,0 milhões de t, uma vez que a safra por aqui ainda não foi iniciada. Como consequência da menor oferta, os estoques caíram de 313,0 (julho) para 306,7 milhões de t (agora em agosto), e devem fechar a safra 1,5% menores do que no último ciclo. Uma notícia ruim para o setor, mas ainda confiamos em uma boa oferta.

Na soja, por sua vez, o USDA indicou uma melhora na oferta do grão, elevando a projeção para 391,4 milhões de t, 11,4% a mais do que em 2021/22. O principal fator que motivou a melhora para a oleaginosa foi o clima favorável nos EUA, o que tem contribuído para melhor oferta. Deve ficar em 123,3 milhões de t (+ 2,2%); era de 122,0 em julho. Para o Brasil, ao passo em que a safra não se inicia, os números foram mantidos em 149 milhões de t (+18,3%). Resultado da oferta maior, os estoques saltaram para 101,4 milhões de t, 13,0% maiores do que 2021/22.

Até o dia 14 de agosto, as condições dos campos de milho estavam em 12% “excelentes” (15% há um ano) e 45% em “boas” (47% há um ano), indicando uma leve inferioridade neste ciclo. Na soja, os indicadores de lavouras “excelentes” e “boas” estavam em 10% e 48%, respectivamente, contra 12% e 45% no ano passado; melhorou na comparação com relatórios anteriores. Por fim, no algodão, a condição continua crítica: apenas 5% das lavouras estão em condições “excelentes” (era 17% há um ano); e 29% em condições “boas” (era de 50% em 2021/22). Estes números refletem bastante a alta nos preços da pluma, observada nos últimos dias, o que tem favorecido o cotonicultor brasileiro em plena colheita da cultura.

Em julho, as exportações do agronegócio brasileiro alcançaram novo valor recorde, somando US$ 14,28 bilhões, 26,8% a mais do que no mesmo período de 2021, segundo dados da Secretária do Comércio Exterior (Secex). O grande driver desse aumento continua sendo os preços, que estão em média 24,8% maiores que em 2021, mas os volumes também registraram ligeiro aumento de 1,6%. O complexo soja sustenta a liderança na pauta exportadora com vendas de US$ 6,03 bilhões (+21,0%), mesmo com uma queda nos volumes de 9,4% advinda principalmente da redução de embarques do grão. Na sequência, as carnes somaram valor recorde para o mês de US$ 2,37 bilhões (+16,9%), dos quais a bovina vendeu US$ 1,21 bilhão (+20,0%), a de frango US$ 875,15 milhões (+21,3%) e a suína, US$ 220,34 milhões (-9,6%). Na terceira posição aparecem os produtos florestais, comercializando US$ 1,40 bilhão (+8,4%) também alcançando recorde para julho. Os cereais, farinhas e preparações ficaram com a quarta colocação, somando US$ 1,28 bilhão (+174,7%) com grande destaque para o milho, responsável por quase 90% desse montante e crescimento de 189,7% em valor e 106,9% em volume. Para fechar a lista, o complexo sucroenergético obteve receitas de US$ 1,28 bilhão (+36,7%).

Por sua vez, as importações do setor no mês de julho cresceram 19,3%, chegando a US$ 1,48 bilhão. Mesmo com tal incremento, o agronegócio conseguiu aumentar seu superávit na balança comercial, de US$ 10 bilhões para 12,8 bilhões no comparativo dos meses de 2021 e 2022.

No acumulado de 2022, entre janeiro e julho, o agro brasileiro registra saldo de US$ 83,90 bilhões, 31,5% maior do que no mesmo período do ano passado; são simplesmente US$ 20 bilhões a mais em 1 ano!

E com o avanço das colheitas do milho no Brasil, as exportações do setor deram um grande salto em julho, com 4,12 milhões de t do cereal exportadas (+ 107%); em julho passado, os embarques somaram 1,99 milhão de t. As receitas também deram um grande avanço, passando de US$ 398,7 milhões no mesmo mês de 2021 para US$ 1,15 bilhão no último mês, alta de 189,4%. A forte demanda global pelo grão, as limitações no fornecimento do milho pela Ucrânia, a oferta brasileira maior este ciclo e as recentes tensões entre China e EUA, são alguns dos fatores que motivaram este comportamento.

O Valor Bruto da Produção (VBP) Agropecuária foi revisado para baixo na atualização de agosto frente à estimativa de julho. No mês anterior, o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) esperava um montante de R$ 1,241 trilhão para a atividade, mas agora o indicador foi avaliado em R$ 1,220 trilhão. Mesmo com o ajuste, o montante é 0,3% superior ao obtido no ano anterior. Com isso, a agricultura deve somar R$ 853,25 bilhões (+3,0%), enquanto que a receita da pecuária deve alcançar R$ 367,10 bilhões. Os produtos com maior impacto negativo para este ano são a soja e a pecuária que, somados, resultam em decréscimo de R$ 64 bilhões.

Outra notícia importante para o agronegócio brasileiro foi de que, em meio as tensões recentes com os Estados Unidos (questão Taiwan), a China voltou atrás e anunciou que irá permitir as importações de milho brasileiro já em 2022, sem que sejam exigidos protocolos sanitários este ano. As medidas, que incluem o report de informações como defensivos químicos utilizados, manejo de doenças e outros, serão exigidas pelo país asiático apenas a partir de 2023. Apesar da abertura, a China deixou claro de que quaisquer cargas recebidas com indícios de doenças e/ou contaminações, poderão ser rejeitadas. Além do milho, a China também anunciou que deve autorizar a importação de farelo de soja do Brasil; até então, o país asiático importava apenas a soja em grão. A expectativa é de que, assim como o milho, os embarques do produto oriundo da soja se iniciem ainda em 2022.

Nas frutas, segundo dados da Associação Brasileira dos Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), o volume embarcado no 1° semestre caiu 11,0% em relação ao mesmo período do ano passado: foram 460 milhões de t. Com a mesma taxa de queda (11,0%), as receitas nos 6 primeiros meses do ano somaram US$ 397,5 milhões. Entre os produtos, a manga que havia sido líder nos embarques em 2021, ficou na 2ª colocação, após os volumes caírem 17% para 66,4 mil t. Assumiu a liderança a categoria de “limas e limões”, com 90 mil t comercializadas com o exterior, 14% a mais do que no último ano.

A área agropecuária irrigada no Brasil deve superar 12,4 milhões de hectares até 2040, um crescimento de 51% quando comparado com a área atual, que está em torno de 8 milhões de hectares; serão 4,2 milhões de ha a mais. Os dados fazem parte do relatório “Atlas da Irrigação”, divulgado pela ANA (Agencia Nacional de Águas e Saneamento Básico). E por falar em irrigação, a Netafim lançou novos produtos e inovações durante a Feira Internacional da Irrigação Brasil 2022 (FiiB), uma das principais feiras do setor em nível global e que aconteceu entre 16 a 18 de agosto na cidade de Campinas, São Paulo. No evento, um dos principais destaques foram os sistemas de gotejamento como ferramenta para melhorar a gestão de recursos hídricos, potencializar a produtividade e otimizar o uso de mão de obra e o consumo de eletricidade nas operações de irrigação.

E a Agrivalle, indústria de soluções para sistemas regenerativos, lançou o seu novo proposito, focado em “inspirar a conexão e promover a transição para sistemas regenerativos”. O objetivo da empresa é o de atuar como propulsores de uma nova agricultura, com soluções customizadas, regenerativas e em escala, e que seja protagonista da sustentabilidade nas cadeias e no planeta, impactando não apenas o setor agro, mas também toda a sociedade. Com novo logotipo e novas cores (destaque para o laranja), a Agrivalle aproveitou para realizar o lançamento do novo propósito durante o Congresso Andav 2022, que aconteceu em São Paulo – SP, este que é o maior evento da distribuição de insumos agropecuários em nível nacional, organizado pela Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav).

E fechando a nossa análise mensal do agro, a seguir, apresentamos os preços de produtos do setor na data de fechamento da coluna. A soja com entrega em setembro/22 em cooperativa de SP fechou em R$ 188,80/sc; para fevereiro/23 em R$ 161,80/sc; e para março/23 em R$ 161,10/sc. No milho, a entrega prevista para agosto/22 teve preços registrados em R$ 76,30/sc; e nos futuros para janeiro e março de 2023 em R$ 91,65/sc e R$ 93,45/sc, respectivamente. No algodão (Indicador Cepea/Esalq), a arroba fechou em R$ 215,32; e no boi gordo (também pelo Cepea/Esalq), a cotação ficou em R$ 318,35/@. Com exceção do algodão, os demais produtos vêm registrado queda nas cotações, especialmente por conta da melhora nas perspectivas de oferta em grandes players como EUA e Brasil. Para este próximo ciclo (2022/23), a nossa recomendação para você que é agricultor é de já fixar parte da produção a preços que possibilitem o pagamento de seus custos, uma vez que a tendência é que sigam em queda!

Os cinco fatos do agro para acompanhar em setembro são:

1. Estimativas da produção brasileira de grãos em 2022/23 (Conab) que saem agora no meio de agosto; e a expectativa e/ou decisões dos produtores brasileiros em relação ao plantio (opção de cultivos, áreas por cultura e outros indicadores).

2. Começar a avaliar as previsões do clima nos próximos meses, a fim de planejar o melhor momento para semeadura das culturas (especialmente pensando em sistema de sucessão soja x milho safrinha). Acertar otiming de plantio (adiantando, se possível) é essencial para garantir bons números!

3. Seguir de olho no clima nos EUA e nas condições das lavouras. Os campos tem apresentado melhora e, a partir de agora, os riscos são menores. Algumas operações de colheita devem se iniciar no final do próximo mês, vamos observar como será o progresso.

4. Situação geopolítica global: neste último mês, além dos problemas entre Rússia x Ucrânia, agora também temos as tensões de EUA x China (Taiwan), a crise energética na Europa e outros. Tudo isso está afetando diretamente o câmbio, o que pode impactar nos custos (compra) mas também nos preços das commodities (vendas). Vamos ficar de olho!

5. Cenário político-econômico no Brasil (este para próximos meses): com o início do período de campanha eleitoral, é essencial acompanhar as tendências e movimentos para antecipar possíveis impactos na economia e no setor (agro). Setembro será agitado.

Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Acompanhe outros materiais na página DoutorAgro.com, no canal do Youtube e no MarketClub Sicoob Credicitrus, a quem agradecemos ao apoio para elaborar este texto, que tem como a co-autoria do Vinicius Cambaúva e Vitor Nardini Marques.