Helena Ferreira Lage é Doutora em Nutrição Animal e Professora Adjunta no Centro Universitário Newton Paiva. Ainda contribuíram com este artigo Ana Luiza Costa Cruz Borges, Professora Associada EV – UFMG e Pedro Araújo Carvalho, Mestre em Nutrição Animal.
Seja você produtor, técnico ou pesquisador, sem sombra de dúvida a formulação de dietas faz parte do seu pensamento quando o assunto é produção de leite. Evidentemente, uma dieta bem formulada é importante para garantir boa produtividade quando falamos de vacas leiteiras. Entretanto, nos últimos anos, uma pergunta que não quer calar entre os especialistas na nutrição de vacas leiteiras é: para quem nossas dietas estão sendo formuladas?
Quando se formula uma dieta, temos em vista três elementos principais. Primeiro temos que saber quais são os alimentos disponíveis na propriedade. Além disso, devemos conhecer quais e quanto de nutrientes e energia os alimentos possuem e isso é possível por meio de análises laboratoriais. Uma vez conhecendo o valor nutritivo dos alimentos disponíveis, cabe ao nutricionista combiná-los de forma a atender à exigência nutricional do animal a ser trabalhado. E como são determinadas as exigências por nutrientes e energia de nossas vacas? A resposta para essa pergunta é: muita, muita pesquisa!
Quando falamos de exigência de uma vaca leiteira, devemos entender a lógica de um balanço financeiro de uma empresa. Nem sempre um empresário com rendimento bruto alto possui uma empresa lucrativa. Para tal, calcula-se por diferença, quanto de dinheiro a empresa arrecadou e quais foram os gastos e, assim, tem-se o rendimento líquido. No caso de vacas leiteiras a questão fundamental é a mesma: temos que saber quanto a vaca consome e quanto de fato ela consegue aproveitar para se manter viva (exigência de mantença), gerar um feto (exigência para gestação), ganhar peso e/ou produzir leite (exigência para produção). O que a vaca de fato aproveita, chamamos de exigência líquida. Sabemos que o aproveitamento de uma dieta qualquer não é de 100% e uma prova de que isso acontece é que as vacas defecam e urinam, desperdiçando parte da energia que foi consumida. Além das perdas fecais e urinárias, a vaca também perde energia pela produção de gás metano em função do processo de fermentação do rúmen e pelo calor que é produzido pelo seu próprio metabolismo.
As exigências nutricionais de animais leiteiros são encontradas em tabelas publicadas por diversos comitês internacionais. Periodicamente, grandes pesquisadores se reúnem e criam um banco de dados de diversas pesquisas para a publicação de tabelas que contenham quanto uma vaca precisa de energia, proteína e minerais para alcançar uma determinada produção de leite. Entretanto cabe aqui uma observação: os dados de exigência nutricional que utilizamos hoje para formulação de dietas para nossas vacas são de origem principalmente americana, ou seja, determinadas utilizando animais puros, de alta produção e que consomem alimentos bem diferentes dos nossos. A partir daí, vem a grande questão quando pensamos numa dieta bem formulada: a exigência de uma vaca holandesa criada em condições americanas é a mesma de uma vaca mestiça criada no Brasil? Nós ainda sabemos pouco a respeito. Ainda!
Os primeiros avanços na determinação de exigências de animais zebuínos e cruzados foram obtidos em diversos projetos de alguns centros de pesquisas brasileiros. Atualmente, utilizando os dados destes estudos, diversos pesquisadores de todo o Brasil estão engajados em um projeto e pretende, em alguns anos, publicar tabelas de exigências de animais zebuínos e mestiços leiteiros que consomem alimentos de origem tropical, ou seja, animais e alimentos comumente utilizados em nossas fazendas.
Alguns dados preliminares demonstram, pela primeira vez, o valor real de exigência nutricional de energia de animais Gir Leiteiros e permitem algumas considerações “audaciosas”. A princípio, acredita-se na possibilidade de que novilhas Gir necessitem de menos energia para manterem-se vivas (energia de mantença) que novilhas e vacas F1 Holandês x Gir. Um trabalho realizado com novilhos F1 Holandês x Gir estudou os efeitos de diferentes níveis de consumo (para permitir ganho de peso leve, intermediário e elevado) e verificou-se que os animais com ganhos de peso intermediários tiveram eficiência alimentar superior à dos animais com ganhos de peso maiores, isto é, quando um animal possui uma ingestão elevada de energia, sua produção aumenta, mas junto com o aumento da produção há também um aumento na atividade metabólica que acarreta consequentemente maior produção de calor (ou seja, maior “desperdício” de energia). Sendo assim, pode-se dizer que nem sempre quem consome mais alimento é o animal mais eficiente. Outro trabalho com vacas de primeira cria Gir e F1 Holandês x Gir em lactação demonstraram que vacas F1 Holandês x Gir tendem a direcionar maior parte da energia líquida para produzir leite em relação às vacas Gir. Os dados também deixam claro que o leite é produzido a partir de modificações metabólicas que demandam energia e essa é uma realidade para qualquer animal, quer seja em uma vaca Holandesa, quer seja em uma mestiça. Muitas vezes classificamos animais mestiços como rústicos, entretanto nem sempre essa rusticidade pode ser associada ao fornecimento de uma dieta de qualidade inferior. A rusticidade deve ser aplicada principalmente ao conceito de adaptação ao ambiente (calor, parasitos, etc.), já que vacas mestiças muito produtivas podem ser nutricionalmente tão exigentes quanto uma vaca Holandesa pura.
A moral da história é: se existe mesmo uma diferença na exigência nutricional e na forma como o animal utiliza a energia, sem dúvida isso afeta a formulação de dietas. Pense bem... E se uma vaca mestiça pudesse comer menos para cada quilo de leite produzido, reduzindo os custos com a dieta? A resposta desta pergunta ainda não é possível, mas demonstra de forma muito clara a importância dos estudos em exigências nutricionais no contexto nacional, que vem sendo conduzidos nos últimos anos.