Graduado em Zootecnia pela Faculdade de Agronomia e Zootecnia de Uberaba (1991). Possui especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Associação Brasileira de Ensino Agrícola Superior - ABEAS (1992). Especialista em Solos e Meio Ambiente pela Escola Superior de Agricultura de Lavras - ESAL (1996). Atualmente é professor titular da FAZU - Faculdades Associadas de Uberaba. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Manejo e Conservação de Pastagens.
Adilson Aguiar concedeu uma entrevista a equipe do Balde Cheio Luz, onde expressou seus conhecimentos sobre o uso da pastagem no Brasil com ampla visão do potencial produtivo e econômico, afirmando ainda que compensa adubar pasto, falou ainda sobre alguns sistemas intensivos de produção de leite e muito mais. Confira como foi.
Adilson, diante de toda sua experiência, compensa adubar pasto?
Sim. A adoção da tecnologia de correção e adubação do solo da pastagem traz respostas técnicas e econômicas. Tecnicamente possibilita aumentar a produção de forragem e consequentemente a capacidade de suporte da pastagem (UA/ha), aumentar a qualidade da forragem (valor nutritivo e consumo), aumentar o desempenho animal (ganho de peso das bezerras e novilhas, produção de leite das vacas), aumentar a tolerância da planta a estresses bióticos (pragas e doenças) e abióticos (extremos de temperatura e umidade) e aumentar a eficiência de uso de água pela planta forrageira em até 4 vezes. Economicamente, a relação custo/benefício do manejo da fertilidade do solo pode variar entre R$ 1,00/R$ 1,50 a R$ 1,00/R$ 2,15, ou seja, para cada R$ 1,00 investido na correção e adubação do solo o retorno é de R$ 1,50 a R$ 2,15.
O que é manejar pastagem?
Por definição é um conjunto de ações nos fatores solo-planta-animal e meio ambiente, que visam o bem-estar e a produtividade da comunidade de plantas e do meio ambiente. Não se deve confundir com outro termo que parece ser sinônimo, mas não é, que é o manejo do pastejo. Por definição manejo do pastejo consiste no monitoramento e condução do processo de colheita da forragem produzida, pelos animais em pastejo. Como manejo da pastagem se considera o estabelecimento da pastagem, o manejo do pastejo, o manejo e controle de plantas infestantes e pragas, a correção, adubação e irrigação do solo, a consorciação de gramíneas com leguminosas, a integração lavoura, floresta com pastagem, a suplementação animal em pasto etc. Por outro lado, quando se faz referência a alturas alvos de entrada e de saída do pasto, ajustes de taxa de lotação à capacidade de suporte da pastagem, medição da produção de forragem, ciclo de pastejo etc., se está referindo ao manejo do pastejo. Ou seja, o manejo do pastejo é um dos componentes do manejo da pastagem.
Existe um capim melhor do que o outro, ou simplesmente não existe manejo?
Depende o que se entende por melhor. As espécies forrageiras, por exemplo, os capins, se diferenciam pela sua adaptação ao clima, ao solo, às pragas, às doenças, se contem substancias que podem provocar distúrbios metabólicos nos animais, sua aceitabilidade quando misturados em um mesmo piquete, sua forma de propagação (sementes ou mudas), sua forma de uso (pastejo, fenação, ensilagem, pré-secagem), e seu comportamento em diferentes métodos de pastoreio (lotação continua ou alternada ou rotacionada). Estas são as características que eu adoto como parâmetros para orientar a escolha de espécies forrageiras para o produtor, principalmente à adaptação ao clima e ao solo. E por que estas características? Porque são resultantes de conquistas evolutivas por meio de seleção natural por milhões de anos. Mas e a qualidade da forragem e o potencial de produção de forragem, não são importantes? Sim, são e muito. E por que não estão nesta lista? Porque em grande medida são determinadas pelo manejo, ou seja, as diferenças em qualidade e em potencial de produção de forragem entre diferentes forrageiras são mais dependentes do meio (manejo) do que da herança (do genótipo da planta).
Quais as principais características de um bom sistema de produção a pasto?
É aquele que explora pastagens com forrageiras adaptadas às condições de clima e solo da região onde está a fazenda; em pastagens que foram bem estabelecidas e que portanto têm um bom estande de plantas; que tenha uma infraestrutura adequada para o melhor manejo do pastejo (módulos de pastoreio, piquetes) como também para o conforto dos animais (sombreamento, corredores de acesso, agua em quantidade e qualidade etc); em pastagens livres de plantas infestantes, pragas e doenças; em solo corrigido e adubado para produzir forragem dentro da meta estabelecida; sendo pastejadas por animais eficientes em converter forragem consumida em leite (litros), mas principalmente em sólidos do leite (gordura e proteína), em lotes de animais homogêneos, ou seja, bem apartados quanto à categoria e sendo suplementados para de fato suplementar apenas as deficiências de nutrientes deixadas pela forragem.
Temos várias espécies forrageiras disponíveis no mercado para uso em sistemas intensivos. Estamos utilizando todo o potencial dessas espécies?
Na média não, mas tem produtores que já alcançaram o teto do potencial de produção de forrageiras, pelo menos a luz do conhecimento tecnológico que se tem atualmente. Veremos mais adiante.
A cada dia que passa a inserção do Compost Barn nos sistemas de produção de leite tem aumentado. Podemos dizer ou considerar que a produção de leite a pasto foi mal difundida?
Não, longe disso. O “compost barn” é uma novidade, pelo menos no Brasil, e como toda novidade é bastante divulgado na mídia, em eventos, e muitos produtores adotam, e no caso deste sistema não me parece ser um modismo, ou seja, veio para ficar, mas a base da produção de leite no Brasil ainda são os sistemas em pasto.
Em 2017 estima-se que 1.3 milhão de produtores produziram leite. Quantos destes adotam o sistema de compost barn? Até no ano passado li em um artigo que aproximadamente 1.000 projetos de compost barn tinham sido implantados, ou seja, ainda era um número muito baixo. Dos Top 100 do Milk Point 2019, referente a 2018, 47 fazendas, ou 47% produziram leite no sistema de free-stall, enquanto apenas 23 fazendas ou 23% produziram em compost barn, ou seja, ainda predomina o free-stall. Em 2018 a produção média diária dos 100 maiores produtores de leite que participaram do Top 100 do Milk Point foi de 19.238 litros, somando no ano 702 milhões de litros. Considerando uma produção de 33.5 bilhões de litros, a produção dos Top 100 representou apenas 2% da produção total do país. Dos Top 100, 68% das fazendas produziram leite em sistema de confinamento total. Ou seja, em termos relativos eles produziram apenas 1.36% do leite do país. Se a produtividade média destes foi o dobro da média dos 100 produtores participantes do Top 100, teriam produzido 2.72% do leite. Estressando ainda mais estes números, se apenas metade dos produtores que produzem leite em confinamento total participaram da pesquisa do Top 100, a produção de sistemas em confinamento seria entre 2.72% a 5.44% do volume de leite produzido no país.
Ou seja, é possível assumir que mais de 95% do volume de leite produzido ainda vem de sistemas onde pelo menos em uma época do ano (período chuvoso) as vacas em lactação são alimentadas em pasto, enquanto as outras categorias animais (vacas secas, bezerras após a desmama e novilhas) são alimentadas o ano todo em pasto.
Para o senhor qual seria o manejo ideal de uma pastagem? Como decidir quando entrar na área, quantos animais colocar, quando sair, isso visando a produção de leite.
O planejamento de uma empresa, quer seja urbana ou rural, se dá em três níveis, a saber: estratégico ou de longo prazo; tático ou de médio prazo e operacional ou de curto prazo. Em sistemas em pasto, o planejamento estratégico se dá em um período de 12 meses, é o ano; o tático se dá em períodos de chuvas e de seca (no Brasil tropical) e em períodos de primavera/verão e outono/inverno (no Brasil subtropical); e o operacional, se dá num período de menos de um mês, são decisões semanais, diárias.
Para eu calcular a capacidade de suporte da pastagem a metodologia mais consistente é a que adota a técnica direta de medição da produção de forragem, a qual se baseia no corte e pesagem da massa de forragem. Com base nesta, após um ano de monitoramento criterioso é possível calcular a capacidade de suporte anual, estacional, mensal e por ciclo de pastoreio. Com base nestes resultados será possível elaborar o planejamento alimentar do rebanho naqueles três níveis.
Agora as decisões diárias do momento de mudar os animais de um piquete para outro devem se basear nas alturas alvos de entrada e de saída especificas para cada forrageira, enquanto os parâmetros capacidade de suporte para ajuste da taxa de lotação, eficiência de pastejo e consumo de forragem devem ser baseadas na medição da massa de forragem antes e após o pastejo em um dado piquete.
Sobre pasto irrigado, quando saber se já é hora de intensificar meu sistema com essa tecnologia?
Quando o potencial do sistema em um determinado ambiente já foi explorado no seu teto sem a tecnologia da irrigação. O índice pluviométrico (volume em mm por ano), o comportamento da distribuição das chuvas ao longo do ano e as temperaturas média, máxima e mínima estabelecem o potencial teto do sistema sem irrigação, desde que o manejo da pastagem seja correto, principalmente o manejo de fertilidade do solo. Então é possível por meio de modelos matemáticos predizer o potencial de produção de forragem de cada ambiente, e daí calcular a capacidade de suporte da pastagem. Assim, quando a produtividade da pastagem estiver alcançando o teto dado pelo clima, a tecnologia da irrigação deve ser avaliada. É possível também predizer qual é o potencial de produção de uma pastagem irrigada por meio do cálculo do balanço hídrico associado às temperaturas. A partir destas predições faz-se a modelagem das fazendas e se compara investimentos, custos, receitas e lucro dos dois sistemas, sem irrigar e irrigado, para a tomada de decisão da adoção desta tecnologia.
O Brasil já desponta como um dos maiores produtores de leite do mundo e tem tudo para alcançar o topo. Na sua visão, a intensificação das pastagens pode contribuir para isso ou ainda temos muito a aprender sobre seu uso?
Em 2017 o Brasil foi o terceiro maior produtor de leite bovino mundial, mas com uma eficiência muito baixa considerando o número de vacas ordenhadas (quase 17 milhões), a produtividade por vaca (1.963 litros por ano), o volume de produção vendido por fazenda (70,6 litros por dia), o volume de leite por funcionário (?), a produtividade de leite por hectare (?), etc. Se os sistemas de produção de leite em pasto são a base da produção de leite do Brasil, se conclui que muito se tem que aprender, mas também aplicar o aprendido, transformando informação em conhecimento. Mais detalhes adiante.
Como o senhor compara a produção de leite a pasto do Brasil com a Nova Zelândia? Como podemos adaptar a nossa pecuária para alcançarmos os índices de produção deles?
Para responder a esta pergunta vou analisar alguns indicadores de produção e produtividade entre estes países. Em 2017 o Brasil produziu 33.5 bilhões de litros de leite a partir da ordenha de 17 milhões de vacas, com produtividade anual por vaca de 1.963 litros (5.38 litros de leite/vaca/dia), enquanto a Nova Zelândia, produziu 21,4 bilhões de litros ordenhando apenas 5.05 milhões de vacas, com produtividade anual por vaca de 4.237 litros (11.7 litros de leite/vaca/dia).
O Brasil produziu 33.5 bilhões de litros de leite a partir de 1.3 milhão de produtores, enquanto a Nova Zelândia produziu 21.4 bilhões de litros a partir de 11.590 produtores. Ou seja, o volume diário de leite por produtor brasileiro foi de 70.6 litros com 13 vacas em lactação, enquanto na Nova Zelândia em média cada produtor produziu 5.058 litros/dia com 435 vacas em lactação.
A fazenda leiteira média na Nova Zelândia mede 151 ha de área útil com produtividade média de 11.803 litros de leite/ha/ano a partir de uma taxa de lotação média de 2.84 vacas/ha (2.84 UA/ha). Por enquanto é preciso esperar a publicação dos dados definitivos do último censo agropecuário do IBGE para conhecer estes índices atualizados, mas com base no diagnostico da cadeia do leite do Estado de Minas Gerais, que é a maior bacia leiteira do pais, aqueles indicadores médios de 1.000 fazendas foram: área média de 56.59 ha de área útil explorada para a produção do leite, 8.1 litros de leite/vaca/dia, 1.3 UA/ha e 1.180 litros de leite/ha/ano.
E poderíamos continuar comparando indicadores de qualidade do leite (teores de sólidos, CCS, CBT, temperatura etc.), porcentagem de vacas inseminadas, os programas de melhoramento genético, mas vamos ficando por aqui.
Além dessas diferenças a Nova Zelândia se caracteriza por ser um país exportador de leite já que produz 21.4 bilhões de litros com uma população de 4.79 milhões de habitantes, enquanto o Brasil produziu 33.5 bilhões de litros de leite com uma população de 210 milhões de habitantes. Assim, a Nova Zelândia pode exportar 95% do leite produzido.
Agora não se deve fazer uma comparação direta já que os sistemas brasileiro e neozelandês são muito diferentes a começar pelos tipos climáticos, de solos, infraestrutura das fazendas, espécies forrageiras, as raças e cruzamentos dos animais, nível de instrução dos produtores e dos funcionários, a cultura geral, o mercado, a pesquisa, o ensino, como também os desafios.
Mas o que se pode aprender com os neozelandeses? Primeiro por meio de inventario de recursos se chegar a um diagnóstico de qual ou quais são os sistemas de produção de leite são mais competitivo para as diferentes realidades do Brasil. Eles vêm fazendo isso há mais de um século e concluindo que para eles o sistema de produção baseado em pasto é o mais competitivo. Lá mais de 85% da matéria seca ingerida pelos rebanhos é proveniente da forragem colhida por meio de pastejo. E principalmente, ter foco no lucro, ou seja, é empreender todos os esforços no trabalho e no capital investido na atividade para alcançar o lucro, ao mesmo tempo que se opera um sistema mais simples.
Agora o que é animador são os índices alcançados em sistemas intensivos de produção de leite em pasto no Brasil já validados por mais de duas décadas. Infelizmente ainda representam um pequeno número por isso ainda não impactam significativamente para aumentar os índices médios do país.
Em sistemas intensivos não irrigado a taxa de lotação, a produtividade por vaca e a produtividade por hectare alcançados em média são 4.15 UA/ha, 15 litros de leite/vaca/dia e 10.500 litros de leite/vaca/dia, respectivamente, enquanto nos sistemas irrigados tem sido 12.75 UA/ha, 15 litros/vaca/dia e 38.500 litros de leite/ha/ano. Mas estes têm sido valores médios, ou seja, existem sistemas com indicadores muito maiores.