Helena Ferreira Lage é Doutora em Nutrição Animal e Professora Adjunta no Centro Universitário Newton Paiva. Ainda contribuíram com este artigo Ana Luiza Costa Cruz Borges, Professora Associada EV – UFMG e Pedro Araújo Carvalho, Mestre em Nutrição Animal.
Tradicionalmente, o aumento na densidade energética de vacas leiteiras está associado à inclusão de milho grão moído na dieta destes animais. De fato, dentre os alimentos concentrados, o milho constitui-se como uma importante fonte energética das rações por seu alto conteúdo de amido.
O amido está associado com maior fornecimento de energia para a vaca, pois é um carboidrato que apresenta alta degradabilidade rumenal favorecendo maior produção de ácidos graxos voláteis (AGVs) que constituem a principal fonte energética para bovinos. Particularmente, o amido favorece o aumento da produção de um AGV chamado de propionato, que ao ser absorvido é captado pelo fígado e transformado em glicose pelo animal, que por sua vez é direcionada para glândula mamária para a síntese de lactose (o açúcar do leite). Sabe-se que quanto maior a quantidade de glicose disponível para a glândula mamária, maior é a quantidade de leite produzido pela vaca. Sendo assim, fica clara a importância de amido na dieta de vacas leiteiras, especialmente naquelas de maior produção leiteira.
Embora uma maior quantidade de AGVs represente maior energia disponível para o bovino, pode representar também aumento da acidez do ambiente rumenal o que pode ocasionar redução da produção e nos teores de gordura do leite e aumentar a ocorrência de desordens metabólicas, problemas de casco, dentro outras. O amido pode e deve ser incluído nas dietas de vacas leiteiras mais exigentes, mas grandes quantidades deste nutriente (sendo o máximo de inclusão mencionado pela literatura entre 30 e 35% de amido) demandam atenção por parte dos nutricionistas de modo a reduzir a ocorrência destes problemas.
Outro fator que pode limitar a inclusão de amido nas dietas é o preço dos grãos. Dados de outubro deste ano da Scott Consultoria, por exemplo, relatam que houve alta de 4,1% em outubro na comparação mensal e o milho está custando 9,1% mais em relação a setembro do ano passado e os especialistas relatam que altas de preços não estão descartadas em curto e médio prazo.
Dadas as possíveis limitações, pergunta-se: o que pode então substituir o milho? Uma possível resposta para esta pergunta é: a polpa cítrica.
A polpa cítrica é um sub-produto da indústria de sucos, como o de laranja. Após a prensagem das frutas, tem-se um “bagaço” composto por casca, polpa e sementes. Após a extração do suco, o que sobra é destinado para o processo de desidratação pela cura (adição de óxido ou hidróxido de cálcio), prensagem e calor, resultando na produção da polpa cítrica peletizada, conforme mostra o esquema representado na figura 1.
Figura 1. Processamento da laranja para obtenção da polpa cítrica (Adaptado de Velloso, 1985)
Embora a polpa cítrica seja classificada como um concentrado energético e, portanto, um potencial substituto para o milho, estes alimentos apresentam características muito diferentes. Além da uma possível redução dos custos da dieta, a inclusão da polpa cítrica pode ser associada à redução do teor de amido das dietas, visando melhorar o ambiente rumenal e manter ou mesmo melhorar índices produtivos. A inclusão deste ingrediente apresenta também uma vantagem “operacional” já que o pellet de polpa cítrica deve ser incluído inteiro nas dietas, dispensando o processo de moagem do alimento.
Uma das principais diferenças é que ao contrário do milho, a polpa cítrica possui baixos teores de amido e alta concentração de outro carboidrato chamado pectina. Os teores de fibra e cálcio da polpa cítrica são superiores aos do milho como mostra a tabela 1.
Tabela 1. Valor nutricional do milho grão e da polpa cítrica
FDN – fibra insolúvel em detergente neutro (fração fibrosa); NDT – nutrientes digestíveis totais (valor energético). Adaptado de Valadares Filho et al. (2010)
Uma característica relevante sobre a composição da polpa cítrica é seu elevado conteúdo de cálcio. Isto se deve ao seu processamento, que requer a adição óxido ou hidróxido de cálcio. Tal observação deve receber atenção por parte do nutricionista para o balanceamento da relação cálcio/fósforo da dieta. O alto teor de cálcio pode limitar a inclusão deste ingrediente em dietas para vacas no pré-parto, exigindo cautela por parte dos nutricionistas para prevenção da hipocalcemia puerperal (“febre do leite”).
A composição da polpa cítrica atribui a este alimento características únicas, pois enquanto sua alta digestibilidade é característica de alimentos concentrados (que fornecem grande quantidade de energia), o perfil de fermentação rumenal e a capacidade de estimular a ruminação possuem alguma semelhança com alimentos volumosos. A polpa cítrica não é uma boa fonte de proteína.
Sobre teor de energia, a polpa cítrica possui de 85% a 90% do valor energético do milho. Por ser rica em pectina (carboidrato que apresenta um elevado valor de degradabilidade rumenal entre 90 e 100%), a fermentação da polpa cítrica pelos microrganismos do rúmen promove a formação de um AGV específico chamado de acetato, que tem efeito menos acidificante sobre o rúmen e quando absorvido, é utilizado pela vaca para síntese de gordura no leite. Por sua alta degradabilidade rumenal, é importante destacar que assim como o milho, a polpa cítrica é um ingrediente interessante para ser associado à utilização de ureia nas dietas.
Outro ponto bem interessante sobre a utilização de polpa cítrica é a sua capacidade de estimular a ruminação, superior à capacidade de outros alimentos concentrados, mas inferior à de alimentos volumosos, como mostra a tabela 2.
Tabela 2. Capacidade de diferentes alimentos em estimular a ruminação em bovinos
A ruminação é importante para uma vaca de leite (principalmente para vacas de alta produção), pois quanto mais a vaca rumina, mais ela produz saliva. A saliva é importante para manter o rúmen saudável por ser rica em bicarbonato, que atua na manutenção do pH rumenal menos ácido, colaborando no controle de quadros de acidose, aumento no percentual de gordura do leite e proporcionando mais saúde para o animal.
Para bezerros em aleitamento a polpa cítrica pode ser considerada como uma opção interessante para substituir o milho. Trabalhos recentes publicados pela Escola de Veterinária da UFMG (Coimbra et al., 2017) e pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (Oltramari et al., 2018) demonstraram que a substituição do milho pela polpa cítrica não afetou o desempenho de bezerros leiteiros em aleitamento.
Um cuidado sobre a utilização da polpa cítrica está associado ao fato de que este ingrediente é conhecido por ser muito higroscópico, isto é, possui alta capacidade em absorver umidade. Tal informação é relevante para cuidados relativos ao armazenamento, pois quando mal armazenada, aumenta o seu teor de umidade e favorece a multiplicação de fungos produtores de micotoxinas, que são altamente nocivas para os animais. Sendo assim, a mesma deve ser armazenada em local coberto e arejado. Em condições inadequadas, não é recomendado o armazenamento por período superior a 60 dias.
E aí? Já fez a cotação da polpa cítrica na sua região?