Helena Ferreira Lage é Doutora em Nutrição Animal e Professora Adjunta no Centro Universitário Newton Paiva. Ainda contribuíram com este artigo Daniel Dimas de Oliveira aluno de graduação do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Newton Paiva.
Quando se trata de fontes proteicas utilizadas na formulação de dietas, o farelo de soja é o concentrado mais usado na pecuária leiteira. Este ingrediente apresenta em média, 45 a 52% de proteína bruta (PB) em sua composição e pode assumir uma “fatia” importante quando o assunto é o custo da nutrição das vacas. Ocorrendo elevação do preço da soja, há um aumento pela procura de alimentos alternativos, que possam ser bem aproveitados pelos animais e que apresentem menor custo. Quando falamos em substituir o farelo de soja na nutrição de vacas leiteiras, o farelo de algodão aparece como uma alternativa interessante.
O esquema na figura 1 mostra como ocorre a obtenção do farelo de algodão, que se dá pela extração da gordura do caroço de algodão, resultando num resíduo com 1,0 a 2,0% de óleo residual e elevada concentração de proteínas.
Figura 1. Processamento do algodão para fabricação do farelo (Teixeira et al., 2009)
O cultivo do algodão tem como principal objetivo atender as demandas da indústria têxtil. A partir do processamento industrial do algodão para esta finalidade, são produzidos diversos coprodutos. Dentre eles, além do caroço de algodão (discutido em artigo anterior aqui no Balde Cheio Luz), temos o farelo de algodão, um ingrediente que pode ser considerado particularmente importante como fonte de proteína para nossas vacas.
A tabela 1 mostra as composições médias dos principais dos principais tipos de farelo de algodão no mercado e do farelo de soja para comparação. Os “tipos” mencionados na tabela são definidos em função do teor de proteína do farelo de algodão.
Tabela 1: Composição química de diferentes “tipos” de farelo de algodão e do farelo de soja
Por tratar-se de um coproduto industrial, é bom ter em mente que as características nutricionais do farelo de algodão tendem a variar de acordo com o processamento, principalmente em função do teor de cascas incluído na sua fabricação (figura 1). É importante ressaltarmos isso, já que a inclusão de casca está relacionada com redução do valor nutritivo do farelo! Quanto maior a quantidade de casca incluída, maior é a quantidade de fibra de baixa qualidade e menores serão os teores de proteína e energia do farelo de algodão. E como identificamos isso? Para não haver dúvidas sobre a qualidade do farelo de algodão utilizado na fazenda deve-se, sempre que possível, realizar a análise laboratorial deste ingrediente para um conhecimento efetivo do que realmente estamos fornecendo para nossas vacas.
A utilização de coprodutos do algodão na alimentação animal apresenta uma limitação relacionada com a presença de um composto chamado de gossipol. Dependendo da quantidade ingerida, este composto pode ser tóxico para animais, sendo que o caroço de algodão apresenta maior concentração dessa substância. Como é solúvel em gorduras, parte do gossipol é removida quando o óleo é extraído do caroço de algodão para a fabricação do farelo. Sendo assim, normalmente, a quantidade de gossipol encontrada no farelo de algodão é menor e não deve ser motivo de preocupação, conforme já demonstraram alguns trabalhos científicos (Wang et al., 2012).
Uma dúvida comum sobre o farelo de algodão como substituto do farelo de soja é: podemos fazer a substituição total? Vários trabalhos científicos já avaliaram a substituição do farelo de soja por farelo de algodão para vacas de leite a fim de estudar os efeitos sobre desempenho animal e apresentaram resultados diversos... Por exemplo: um trabalho avaliando a substituição do total farelo de soja por farelo de algodão em dietas para vacas produzindo 35 kg leite/dia (com inclusão de 30% na dieta total) identificou redução de 1,8 kg leite/dia na produção de leite pelos animais (Imaizumi et al., 2016). A explicação para tal observação normalmente está relacionada ao fato de que o farelo de algodão, quando comparada ao farelo de soja, possui maior teor de fibra, menor teor de energia e proteína com qualidade inferior. A proteína do farelo de algodão é menos aproveitada no rúmen e possui menor teor de lisina (um aminoácido importante na produção de leite). Já em outro trabalho avaliando a substituição parcial do farelo de soja pelo farelo de algodão na dieta de vacas menos produtivas (25 kg leite/dia), não foi observada redução na produção de leite, indicando a utiliza o farelo de algodão pode ser uma opção interessante (Chiou et al., 1997).
É muito importante entender que não há uma “receita de bolo” quando falamos de substituição de um ingrediente da dieta por outro. O nível de substituição do farelo de algodão pelo farelo de soja vai depender da qualidade do farelo de algodão utilizado e da capacidade que este ingrediente tem em contribuir no atendimento das exigências nutricionais dos animais, juntamente com outros ingredientes incluídos na formulação. Não podemos esquecer que quando se trata de formulação de dietas, quem manda é a vaca! A substituição do farelo de soja pelo farelo de algodão pode ser considerada pelo nutricionista e o nível de inclusão vai depender da exigência do animal, dos outros ingredientes utilizados na formulação e da realização de alguns ajustes na dieta para torná-la balanceada.
Já usou farelo de algodão na sua fazenda? Conta pra gente!
Bibliografia consultada:
Chiou, P.W., Yu, B., Wu, S., Chen, K. Effect of dietary protein source on performances and rumen characteristics of dairy cows. Animal Feed Science Technology, 1997; 68, 339–351.
CQBAL 4.0 Tabelas Brasileiras de Composição de Alimentos para Ruminantes. Disponível em https://cqbal.com.br/#!/
Imaizumi, H.; Souza, J.; Santos, F.A.P. et al. Replacing soybean meal for cottonseed meal on performance of lactating dairy cows.Tropical Animal Health and Production, 2016; 48: 139–144. https://doi.org/10.1007/s11250-015-0933-1
Wang, A.P.; Zhang, J.M.; Meng, Y.L. et al. Effects of different sources and levels of dietary gossypol on gossypol residues in plasma and milk of lactating cows. Journal of Dairy Science, 2012; 95: 5127-5132. https://doi.org/10.3168/jds.2011-4870
Teixeira, A. M.; Gonçalves, L. C.; Velasco, F. O.; Ribeiro Júnior, G.O. Farelo De Algodão Na Alimentação De Gado Leiteiro. En: GONÇALVES, L. C., BORGES, I., FERREIRA, P. D. S., 2009. Alimentos para Gado de Leite. Editora FEPMVZ, Belo Horizonte, 2009.